no limiar do infortúnio

recortava lembranças

abandonando-as ao léu

para então gargalhar

alimentado pelo desespero

atravessando o silêncio

rua após rua

encontrava janelas fechadas

desabrigadas pela solidão

feito de traços e sobras
de cores e vozes
debaixo dos sonhos
sobrevive um amanhã

numa tarde perto do fim

andorinhas aninham

restos de memórias

que não couberam no sol

soube você?
aqui esteve
e não deixou rastro
algum

eis: a vida
seria minha, no que passou
só que chegamos tarde, eu e os demais
depois: silêncio.

não há sentimento que caiba

no limiar do abandono

nem ilusão que baste

às entranhas do que ficou

sussurro costurado aos ossos

é isso, a imaginação

de quem olha àquele homem na janela, desmemoriado

e só.

descaminharei

por outras andanças

frágil ausência

porque longe de ti

bebemo-nos
dos erros
nus até

os ossos.

o que resta de
nós
migalhas desses
nós
é o que somos
quando somamos
o eu ao tu
e continuamos

sós

o som do nascente
nas cores desse adeus
é paisagem que fica
na felicidade que se esvai

sangro a madrugada

num grito oco

na pele arranhada

suma de mim.

descrevo

inúteis imagens

no esvaziamento

de mim mesmo

arrefecia
às margens do rio
mergulhado em estrelas,

limiar da solidão

quando escasso
poluo palavras
pinto poesias

ao inverso

talvez seja tarde
esse azul que do céu
se desfez em teus olhos
nus.

a escassez do teu céu
sonhou-te
escapar ao arrebol

atravesso cores
antes não visitadas:
é a crueza da noite
descoberto o frio

destranque aquela gaveta
retire as palavras que foram esquecidas
sobreponha-as aos teus olhos de menino descalço
mais uma pirueta e serás poesia

um grito
fez-se estrela
alcançando
o infinito